quarta-feira, janeiro 22, 2025
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Woody Allen entrega um sombrio ‘Golpe de Sorte em Paris’, sem traços de ressentimento

Apesar das dificuldades para obter financiamento em Hollywood após o “cancelamento” que sofreu nos Estados Unidos, Woody Allen afirmou que Golpe de Sorte em Paris pode ser o último filme de sua longa carreira. E, diferente de muitos de seus trabalhos anteriores, este filme traz uma faceta mais sombria do cineasta, marcando um distanciamento dos elementos cômicos e irônicos que costumavam caracterizar suas obras.

Em seu “filme de exílio”, Allen parece buscar inspiração nos mestres do cinema francês, como Jean Renoir e François Truffaut. No entanto, enquanto Renoir utiliza a ironia em meio à tragédia e Truffaut nos faz rir com a falta de jeito de seus personagens, Allen, desta vez, não ri nem faz rir. Seus protagonistas oscilam entre o romance, o suspense e a tragédia, mas sem a ambiguidade característica de seus filmes anteriores.

A trama começa com Fanny (Lou de Laáge), uma jovem despreocupada que reencontra Alain (Niels Schneider), um antigo colega e escritor, que logo declara o amor que manteve em segredo desde a adolescência. Para ele, este reencontro é um verdadeiro golpe de sorte. No entanto, Fanny é casada com Jean (Melvil Poupaud), um homem de negócios enigmático que, apesar de sua aparente simpatia, não está disposto a ser o “marido traído”.

Allen explora aspectos de si mesmo em cada personagem: a leveza de Fanny, o pragmatismo de Jean e a paixão literária de Alain. À medida que o filme avança, a narrativa se aproxima dos tons sombrios de Claude Chabrol, onde pessoas comuns são capazes de atos abomináveis. A trama toma um rumo inesperado, com elementos de mistério e crime, incluindo cenas que remetem à prática de regimes opressivos de ocultar cadáveres.

Uma quarta personagem típica de Allen é Camille (Valerie Lemercier), a mãe de Fanny, que se torna uma detetive amadora, guiada por sua paixão por romances policiais. Essa transição do drama para o suspense é bem característica do cineasta, embora, ao sair de sua amada Nova York, ele pareça um pouco deslocado na ambientação parisiense.

No entanto, Allen maneja bem essa mudança de cenário. A Paris que ele retrata é multifacetada, com nuances que revelam uma cidade em constante transformação. Alain, por exemplo, começa morando em um modesto apartamento “de escritor”, mas, mais tarde, o mesmo local aparece ampliado e mais luxuoso, refletindo uma visão mutável da vida parisiense.Ao final, Golpe de Sorte em Paris revela personagens que, de uma forma ou de outra, perdem algo ao longo da trama. O otimismo de Allen em filmes como Tudo Pode Dar Certo (2009) está temporariamente guardado. Ainda assim, o diretor não demonstra ressentimento. Há um tom sombrio, mas não como nas épocas em que tentava imitar Ingmar Bergman. Agora, as feridas de Allen estão expostas de maneira clara e honesta, e, mesmo sem nos fazer rir, ele mantém uma conexão profunda com seus sonhos — e pesadelos.

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